A Questão da Terra na Primeira República
Tentativa de síntese com pontuais críticas do texto "A Questão da Terra na Primeira República" de Manuel Correia de Andrade
A Questão da Terra na Primeira República
O texto de Manuel Correia de Andrade, A Questão da Terra na Primeira República, trás uma discussão sobre latifúndios e grandes propriedades estabelecidas desde os tempos em que o Brasil era uma colônia de Portugal. A princípio, aborda os interesses portugueses em relação à produção para um mercado, em contraposição com interesses indígenas, que, segundo o autor, produziam para a própria subsistência em consumo imediato. Além disso, usa a tese de Ruy Cirne Lima, de que as concessões de sesmaria no sistema das capitanias hereditárias teria provocado “um processo de dominação de latifúndio que ainda ocorre no país”. Assim, o autor argumenta que ao lado do processo de doações de sesmarias, que, muitas vezes viria acompanhada de estratégias para burlar leis, havia a instalação daqueles proprietários com menos recursos e prestígio. Estes, chamados de posseiros, se instalaram em áreas menos privilegiadas em localização e condições, implantando roças e currais.
Em relação a essa tese de Ruy Cirne Lima de 1991, existem outras abordagens, mais atuais, que discutem sobre o que realmente teria provocado o problema da questão agrária e de acumulação de latifúndios no Brasil. Desde a metade do século XX, constata-se que a culpa estaria atribuída ao passado colonial, de má distribuição por parte da coroa e donatários ou burlamento de leis. Contudo, teses como de Luciene Maria Pires Pereira estão evidenciando uma distribuição muito mais rigorosa em questão de vigilância sobre duras penas de perda de direito à capitania ou outras formas de garantir que a distribuição de terras não acumule nas mãos de poucos homens nos processos de concessões de sesmaria, já que não renderia os mesmos lucros e recursos de volta para a coroa português. Assim, no decorrer da argumentação tem-se a impressão cada vez maior de que o problema das terras vividos na contemporaneidade não seriam necessariamente fundados na distribuição de terras nas sesmarias e forais coloniais. Discussões como essa, são importantes de se considerar, pois dizem respeito à base de grande parte da argumentação sobre a questão da terra no Brasil.
Ademais, na situação do Império, destaca-se o fim dos processos de doação de sesmarias na resolução de 17 de julho de 1822. Alguns anos depois, estaria promulgada a Lei de Terras de 18 de setembro de 1850, que estabelecia o processo de compra e venda para aquisição de propriedades.
No que diz respeito ao quadro fundiário do início da república, o autor apresenta um panorama de uma grande massa de pequenos proprietários que se dedicavam a um mercado interno. Ao mesmo tempo, usinas estavam altamente favorecidas pelos governos estaduais, fortemente ligadas ao discurso de uma necessidade de modernização daquele contexto. Além disso, estavam cada vez mais consolidados os “currais eleitorais” que elegem deputados, senadores e governadores. Já que na Constituição republicana de 1891 passava-se as terras públicas em forma de propriedades dos estados dos quais pertenciam, majoritariamente, essas terras eram apropriadas pelos “coronéis”.
Assim, estaria longe de se trazer uma solução ao problema agrário, que também era reclamado em forma de pressões populares a favor de uma reforma agrária - negada pelas oligarquias. Foi em meio dessas pressões populares que emergiram movimentos acobertados pelo messianismo - como Canudos e Contestado. Aí, já se apresenta outro ponto da argumentação que pode ser questionada em relação aos pesos e medidas que se pode estabelecer ao caráter religioso ou classista desses movimentos populares messiânicos e/ou milenaristas.
Adiante, o autor aborda uma importante questão que associa os grandes proprietários de terras às regiões e formas de extração de recursos naturais. Nessa oportunidade trata da questão amazônica e seu histórico com os seringais de borracha. Nesse contexto, houve grande migração para aquela região nos fins do século XIX, financiados por casas aviadores e gerando uma grande concentração de pessoas sem uma organização econômica extrativa especializada em grandes áreas apropriadas pelos seringalistas. Assim, com o apoio de jagunços e do governo, fazia-se o domínio da desembocadura de um rio e a partir deste ponto abriam-se os caminhos para espaços de trabalhos que o autor caracteriza como semi-escravos, controlado por uma milícia própria. A decadência dessa exploração, segundo o autor, ocorreu pela queda da demanda da borracha no mercado internacional no início do século XX. Aqui, um ponto que não é central, mas que poderia ser melhor discutido é sobre essa situação de semi-escravo, que, talvez, teria de passar por uma discussão na definição sobre a ideia de escravidão concebida pelo autor.
Segundo Manoel Correia de Andrade, o caso de Minas Gerais e Goiás, tinham em comum o caráter da mineração que possibilitou a formação do latifúndio baseado na produção pecuária - na produção de leite (e derivados) e carne para um mercado local ou para grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro. Outra crítica pontual está no uso da teorização da política do “café-com-leite” pelo autor, tendo em vista as argumentações mais recentes que refutam tal “união” de Minas e São Paulo - como O Federalismo Oligárquico Brasileiro: Uma revisão da Política do “Café com Leite” de Cláudia Maria R. Viscardi. Nesse sentido, Minas ainda possuía recursos minerais em abundância, o que permitiu abrir portas ao capitalismo industrial, através do capital estrangeiro na exploração de ferro e ouro.
A seguir, o autor trata da questão cafeeira. Segundo ele, foi a mais influente no Brasil, sobretudo, com o uso do trabalho escravo nos séculos XVIII e XIX na costa do sudeste e com o colonato, utilizando de mão de obra, em grande escala, italiana no território paulista com uma elite empreendedora. Essa expansão do café paulista levou à modernização do porto de Santos, abertura de estradas de ferro e uma grande destruição de florestas, populações indígenas para a fundação de fazendas e cidades. Aos poucos, com um impulso no contexto da Revolução de 30 e a superprodução mundial do café, a cafeicultura foi perdendo a importância e sendo cada vez mais substituída por outras culturas: algodão, cana-de-açúcar e laranja.
Em relação ao Sul do país, o autor apresenta um panorama de ocupação litoral feita pelos portugueses no século XVIII e com alemães e italianos no interior nos séculos XIX e XX. No contexto da Primeira República, governos estaduais com a responsabilidade da distribuição de terras devolutas fomentar uma cultura de intensificar a imigração estrangeira, com ênfase na variedade da origem desses imigrantes - russos, polacos, ucranianos, letos, lituanos etc. Assim, áreas de domínio da pequena e média propriedades seriam voltadas à produção do autoconsumo e mercado nacional. Para áreas de grandes latifúndios pecuários, a produção atendia, predominantemente, a exportação de outras regiões e países.
Sobre o contexto específico da Revolução de 30, o autor apresenta a questão da conciliação líderes da velha oligarquia e o que se tinha como meta era uma coexistência do poder latifundiário, com o desenvolvimento urbano e industrial. Ademais, a grande preocupação econômica era pautada entre a opção industrialista ou agrária, além da melhoria da qualidade dos produtos de exportação na concorrência do mercado internacional.
A conclusão de Manuel Correia de Andrade aponta que a Primeira República estaria esperando que, no futuro, grandes problemas fossem resolvidos pela modernização formal, o que só teria, na verdade, radicalizado as diferenças econômicas e sociais no país caso não fossem mudadas as estruturas.
Finalmente, de maneira geral, o texto apresenta um panorama compacto e objetivo sobre a questão agrária em várias regiões brasileiras, buscando um resgate temporal desde a colônia. Contudo, o texto possui alguns pontos que podem abrir portas a discussões mais atuais, como a questão da doação de terras e sesmarias na colônia ou a política do café-com-leite. São questões pontuais e específicas, mas que, de alguma maneira, permitem a busca de uma abordagem que mostra uma maior complexidade sobre o passado discutido.
Bibliografia:
1) LIMA, Ruy Cirne, Pequena História Territorial do Brasil: Sesmarias e terras devolutas.
2) PEREIRA, Luciene Maria Pires As sesmarias em Portugal e no Brasil: a colonização do Brasil analisada por meio das cartas de doação e dos forais. Assis, 2010.
3) ANDRADE, Manuel Correia de. A questão da terra na Primeira República. In SZMRECSÁNYI, T. e Silva, Sérgio (org.) História econômica da primeira República. São Paulo, Hucitec, 1996, p. 143-156.
Links de acesso a resumos, teses e questões sobre o tema:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-03072009-161245/publico/A_questao_de_terras_no_inicio_da_Republica.pdf
https://brasilescola.uol.com.br/historiab/primeira-republica.htm
https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/historia-do-brasil/questao-agraria-no-brasil.htm
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/concentracao-fundiaria-raizes-historicas-da-questao-da-terra-no-brasil.htm
Comentários
Postar um comentário